Para garantir o direito à saúde desse grupo, os ministérios da Justiça e da Saúde criaram em abril o Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) e o Comitê Técnico Intersetorial de Saúde no Sistema Prisional. O resultado será a Política Nacional de Saúde no Sistema Prisional, com lançamento previsto para novembro.
“O GT é um instrumento do governo para reunir três segmentos no processo
de formulação da política: gestão, sociedade civil, principalmente as
organizações envolvidas na proteção às pessoas privadas de liberdade, e
academia”, explica o professor do Instituto de Medicina Social da Uerj Martinho
Silva.
Hoje, o país conta com o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário
(PNSSP), criado em 2003 com a missão de “prover a atenção integral à saúde da
população prisional confinada em unidades masculinas e femininas, bem como nas
psiquiátricas”. Dos 27 estados brasileiros, 23 aderiram ao PNSSP. O plano, no entanto, não contempla a
totalidade da população prisional, apenas a população penitenciária — ou seja,
aqueles já julgados e condenados ao regime fechado. Ficam fora os que estão em
regime aberto, os presos provisórios e os detidos em cadeias, delegacias e
distritos policiais.
O plano prevê unidades básicas de saúde nos estabelecimentos penais com
mais de 100 presos, comandadas por equipe multiprofissional composta por pelo
menos cinco profissionais de nível superior (médico, enfermeiro, psicólogo,
assistente social e cirurgião dentista) e um profissional de nível médio
(técnico de enfermagem). A equipe deve desenvolver ações de prevenção, promoção
e tratamento de agravos (saúde bucal, saúde da mulher, doenças sexualmente
transmissíveis, saúde mental, controle da tuberculose, hipertensão e diabetes,
entre outras) além de imunizações, coletas de exames laboratoriais e utilização
da assistência farmacêutica básica. O acesso à média e alta complexidade é
definido por cada estado.
Dados do Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas do Ministério
da Saúde indicam que existem 250 equipes de saúde no sistema penitenciário, que
garantem a cobertura de 30% da população prisional — menor do que a cobertura
média da Estratégia Saúde da Família, voltada para o conjunto da população
brasileira, que era de 40% em 2010.
Toda a comunidade prisional deveria ser incluída na nova
Política Nacional de Saúde no Sistema Prisional, incluindo os agentes
penitenciários e as famílias dos presos, não apenas os presos ainda não
julgados e condenados. Por exemplo, uma ação de prevenção de doenças sexualmente
transmissíveis deve abranger os parceiros com direito à visita íntima. O
combate à tuberculose também deve focar os agentes penitenciários, que convivem
naquele ambiente. O plano atual prevê financiamento para ações de saúde
voltadas exclusivamente à população privada de liberdade, porque à época de sua
formulação se entendeu que agentes e familiares poderiam procurar os serviços
de saúde fora das penitenciárias.
Outra questão a ser observada pelo GT, de acordo com Martinho, é a
“dificuldade de compatibilização da lógica da segurança com a da saúde
pública”. Ações de atenção básica eventualmente encontram barreiras para serem
contínuas e regulares: a distribuição de escovas de dente, por exemplo, é
colocada em xeque pois as escovas podem se tornar instrumentos de violência
entre os detentos.
“A lógica da saúde é a lógica do cuidado, enquanto a da
segurança é a da proteção”, resume o pesquisador, frisando que uma série de
instrumentos (além das escovas , as seringas, por exemplo) é necessária para
que haja o cuidado, mas muitas vezes a posse desses instrumentos gera perigo.
Boletim do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids)
indica que, numa prisão masculina de São Paulo, quase 6% da população tinham
HIV; entre as mulheres de outro centro penitenciário da capital paulista, o
índice chegava a 14%. Segundo o estudo, o nível de conhecimento sobre HIV era
alto entre a população prisional, mas o acesso a ações de prevenção e
assistência dentro das prisões foi considerado inadequado. “A política de saúde
no sistema prisional não é uma forma de reinserir os presos na sociedade, mas
de inserir, porque antes de serem presos muitos já sofriam com a privação de
direitos”, observa Martinho.
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